O aumento de processos movidos por passageiros brasileiros preocupa as empresas aéreas. Entidades do setor apontam o Brasil como líder em ações judiciais no mundo, e dizem que a questão encarece as passagens e trava a entrada de novas empresas no mercado brasileiro. O gasto das empresas com as reclamações está perto de R$ 1 bilhão por ano.
«O Brasil continua a ser o maior país do mundo em número de processos legais contra o setor [aéreo], de passageiros registrando queixas, do que qualquer outro país no mundo», diz Peter Cerdá, diretor para as Américas da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata).
A ampla maioria destes processos é aberta por passageiros, que reclamam de problemas como alterações, atrasos e cancelamentos de voos, extravio de bagagens e cobrança indevida de taxas.
De acordo com dados da Alta, de cada 100 voos no Brasil, 8 geram processo. Nos EUA, o índice é de 0,01 processo a cada 100 voos.
Os processos também vem pesando mais no caixa das empresas. Em 2017, os gastos com condenações judiciais relacionadas aos serviços prestados pelas aéreas brasileiras foi de R$ 280 milhões, ou 0,8% dos custos totais, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em 2021, foram R$ 490 milhões, ou 1,4% das despesas.
Além disso, há gastos com indenizações extrajudiciais e assistência a passageiros. A Alta estima que o custo total relacionado às queixas dos viajantes deve ter ficado em torno de R$ 1 bilhão em 2022. A Anac ainda não divulgou os dados consolidados do ano passado.
«Hoje temos várias empresas ‘low fare’ [baixo custo] voando de e para o Brasil, mas não dentro do Brasil, por insegurança jurídica, causada pelo excesso de demandas judiciais e também porque muitas vezes o Congresso Nacional tenta reverter normas votadas pelo órgão regulador [Anac], afirma José Ricardo Botelho, diretor-executivo da Alta. Como exemplo, ele cita o caso da Flybondi.
«Em pouco tempo voando aqui, ela passou a ter mais ações contra ela do que em três anos voando na Argentina», exemplifica Botelho. «É a judicialização mais agressiva do planeta Terra. Isso impõe um custo operacional para a empresa muito grande.»
Em dezembro de 2022, a Alta firmou um convênio com a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) para pesquisar as razões da alta quantidade de processos e possíveis soluções para o gargalo.
As empresas reclamam que, muitas vezes, os juízes ampliam as punições e compensações previstas nas regras da Anac, para incluir indenizações por dano moral, por exemplo, o que eleva o valor das causas.
As empresas também pedem padronização entre as decisões: para uma mesma situação, um passageiro pode receber uma indenização muito alta, enquanto outro tem o pedido negado. A questão, no entanto, só deverá ser pacificada quando o tema chegar a tribunais superiores, que poderão definir jurisprudência.
«É difícil fixar parâmetros de dano moral. Se a pessoa tem a passagem cancelada e perde um casamento, vai gerar um dano porque ela vai perder um evento único na vida. É diferente de quem estava viajando a passeio e não tinha nenhum compromisso», comenta Igor Marchetti, advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Marchetti concorda que a variação ampla de decisões gera insegurança jurídica e dúvidas entre os consumidores, e que deveria haver mais isonomia. Ele questiona, no entanto, a postura das empresas aéreas de criticar a busca dos passageiros por reparação.
«Todos os fornecedores e prestadores de serviço seguem as leis do Brasil, que incluem dano moral, e ninguém fala que as atividades ficam inviáveis.
Me parece um discurso um pouco exagerado. Em 2016, tivemos mudanças [nas regras da Anac] que mitigaram direitos do consumidor, como a franquia de bagagem, mas o preço das passagens não diminuiu», critica.
Henrique Lian, diretor de Relações Institucionais da Proteste, sugere que as aéreas precisam deixar suas regras mais claras. «Cada bilhete traz um conjunto de regras diferentes em temas como remarcação. Algumas companhias explicam isso melhor do que outras», pondera…