O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está recalculando a rota no debate sobre o socorro às empresas aéreas e discute agora uma agenda estrutural para o setor, que pode envolver crédito para investimentos sustentáveis e mudanças regulatórias para diminuir o grau de judicialização e abrir o mercado interno para companhias estrangeiras.
O diagnóstico é que as dificuldades financeiras das empresas, que se manifestaram de forma mais aguda em 2023, já foram ou estão sendo em parte endereçadas em negociações de reestruturação de dívidas.
A demonstração de interesse da Azul em adquirir o controle a Gol, que recorreu ao chamado chapter 11 –o processo de proteção contra falência nos Estados Unidos–, também foi lida por integrantes do governo como um indicativo de que «o mercado está se resolvendo». Na visão de técnicos, isso reduz a necessidade de atuação emergencial para evitar a desestabilização do setor.
Além disso, a Gol está muito perto de fechar um acordo de transação tributária para abater e parcelar débitos com a União.
Os técnicos já concluíram a revisão da capacidade de pagamento da empresa para reconhecer que obrigações antes não computadas, como o aluguel de aeronaves (leasing), pesam no orçamento da companhia. Isso abre caminho para descontos mais vantajosos.
Agora, a companhia está na fase de avaliação de quais dívidas serão incluídas no acordo. Procurada, a Gol não quis comentar.
Todas essas movimentações serviram para o governo migrar a discussão para algo mais estrutural, em vez de viabilizar empréstimos de forma pontual. Chegou-se a cogitar usar o FGO (Fundo Garantidor de Operações) para dar garantia às aéreas na contratação de crédito, mas, segundo um interlocutor, essa opção está descartada no momento.
Os relatos colhidos pela reportagem mostram tratativas em pelo menos quatro frentes.
Uma delas envolve impulsionar investimentos das aéreas com foco em sustentabilidade. Está em estudo direcionar recursos do FNAC (Fundo Nacional de Aviação Civil) para o Fundo Clima, com o objetivo de financiar o desenvolvimento do combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) e a adoção de novas tecnologias no setor aéreo.
O FNAC é um fundo de natureza contábil e financeira, idealizado para financiar investimentos no setor de aviação e em infraestrutura aeroportuária e aeronáutica civil. Sem destinação, o dinheiro fica na conta única do Tesouro Nacional.
Já o Fundo Clima é concebido para apoiar projetos relacionados à redução de emissões de gases do efeito estufa e à adaptação às mudanças do clima. Ele é operado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Eventual repasse de recursos do FNAC para o Fundo Clima não teria impacto nas regras fiscais, pois se trata de uma despesa financeira. Essa é uma preocupação central da equipe econômica, que precisa conciliar as soluções para o setor aéreo com o limite de gastos previsto no novo arcabouço fiscal.
Por outro lado, ainda há discussões internas sobre como viabilizar as operações de crédito, dado que uma das maiores dificuldades do setor neste momento é apresentar garantias de pagamento em caso de inadimplência.
Uma segunda frente busca atacar a judicialização, considerada excessiva pelas aéreas. Segundo um integrante do governo, o objetivo é delimitar o que pode ser considerado responsabilidade das aéreas em caso de atrasos ou cancelamentos de voos. Sob as regras atuais, há casos de empresas que precisaram suspender voos por condições climáticas ou fechamento de aeroportos e foram condenadas na Justiça a indenizar os passageiros.
Na avaliação do Executivo, aprimorar a tipificação do que é dano moral nesses casos pode ser um passo importante na direção de reduzir os conflitos.
Procurada, a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas) disse que «a incidência de judicialização no Brasil é alarmante» e aponta um impacto de R$ 1 bilhão ao ano no custo operacional das companhias, citando dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).
A associação afirmou ainda que o Brasil responde por apenas 2,7% dos voos no mundo e 98,5% das ações judiciais contra as aéreas. A entidade vê como uma das causas a proliferação do que chama de «sites abutres», especializados em processar companhias aéreas em busca de indenizações.
Segundo a Iata (Associação Internacional do Transporte Aéreo), a probabilidade de uma empresa aérea enfrentar processos no Brasil é 7.000 vezes maior do que nos Estados Unidos.
Sobre a judicialização, a Gol redirecionou os questionamentos à Abear.
A Latam disse que o Brasil representa quase 50% da operação de todo o grupo e mais de 98% dos processos judiciais, «o que demonstra a magnitude deste fenômeno no Brasil». Só na passagem de 2022 para 2023, a empresa disse que as ações contra ela cresceram quase 33%.
«Em 2024, a Latam prevê um gasto de mais de R$ 350 milhões apenas com custos da judicialização no Brasil. Isso significa que R$ 10 de cada passagem dos mais de 30 milhões de passageiros anuais da empresa são destinados para custos com esse fenômeno brasileiro», afirmou em nota.
A Azul disse que o problema é «crítico do Brasil», e os excessos trazem consequências importantes para o setor.
«Os impactos vão desde o aumento dos custos e das passagens aéreas, a redução da oferta de voos e podem chegar até a inviabilidade econômica das empresas», afirmou. A companhia disse ainda que a regulação já estipula uma série de auxílios aos passageiros em caso de atrasos ou cancelamentos e que está presente em canais de resolução de conflitos com consumidores…