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Por que não existe empresa aérea low-cost no Brasil?

O mercado de transporte aéreo é altamente regulado em todo o mundo. Mas é importante diferenciar os tipos de regulação – de segurança e econômica. Neste artigo abordaremos apenas assuntos relacionados à regulação econômica do transporte aéreo e suas consequências.

O mundo desenvolvido decidiu flexibilizar a regulação econômica do transporte aéreo há mais de 40 anos, começando nos Estados Unidos e, em seguida, na Europa. O resultado foi um enorme crescimento, permitindo progressivamente a massificação do transporte aéreo, com diversificação de produtos e barateamento das passagens aéreas.

Essa profunda mudança ficou conhecida como desregulação do transporte aéreo (airline deregulation)[1]. Os dados são impressionantes. Em 1980 cerca de 640 milhões de passageiros voaram no mundo. Em 2019 esse valor alcançou 4,46 bilhões. Quase 4 bilhões de passageiros foram incluídos no mercado em quatro décadas[2].

O Brasil começou processo semelhante nos anos 2000 com o início da flexibilização da regulação de preços das passagens aéreas domésticas (2001[3]), seguida da mudança para um regulador civil com a criação da Lei da Anac[4] em 2005. Antes do final da década foi feita a flexibilização da regulação de preços das passagens aéreas internacionais (2008-2009[5]) e alguns anos depois medidas específicas de flexibilização da regulação de produtos[6]. Não obstante, o processo nunca foi concluído. De outra forma, ainda não podemos falar em desregulação tal como nos EUA e Europa.

Esse é o principal motivo pelo qual não existe, no Brasil, o mercado de transporte aéreo conhecido, no mundo, como low-cost (baixo custo). Resumidamente, na aviação civil comercial existem modelos de negócios tradicionais (full service) e modelos de negócio de baixo custo (low-cost).

Um dos resultados do airline deregulation foi o surgimento de empresas aéreas low-cost (LCC). Sem dúvida essa inovação foi um dos elementos mais importantes para a massificação mundial do transporte aéreo. Em 2019 a participação de mercado das LCC[7] foi de 44,5% na Europa, 35% na América do Norte e 32,5% na Ásia. E mesmo depois de tantos anos essa novidade ainda não chegou ao Brasil.

Naturalmente a culpa disso não é das empresas aéreas que aqui operam. Elas provavelmente estariam dispostas a atuar em um mercado consolidado mundialmente (ou pelo menos avaliariam o impacto da concorrência potencial dessas novas empresas em seus segmentos). O motivo é a persistência de falhas de governo[8] que impedem, inclusive, a consolidação da desregulação econômica do transporte aéreo no Brasil.

Entender o que precisa ser feito é o ponto central da discussão aqui proposta. Para tanto, propõe-se uma lista (certamente não exaustiva) com os principais elementos que impedem o surgimento desse mercado no país, independentemente de existirem como norma ou apenas como prática (por exemplo, conduta judicial ou ameaças legislativas).

Judicialização do serviço incompatível com os padrões internacionais;
Ameaças de intervenção pelo governo ou congresso em função de insatisfações com preços, produtos e serviços, gerando enorme insegurança jurídica e econômica;
Regulações de produto ainda existentes;
Outras questões regulatórias.
A ordem acima não é casual. Ainda que não exista uma abordagem quantitativa para definir a contribuição de cada item na inexistência do mercado low-cost no Brasil, a ordem sugere a importância relativa de cada ponto. A seguir abordaremos um a um.

Em relação à judicialização do serviço, dados da Abear[9] indicam o quão fora da curva o país está em relação ao resto do mundo. Com cerca de 2,7% dos voos mundiais, 90% das ações judiciais contra empresas aéreas estariam concentradas aqui.

Em comparação com os EUA, que tem 0,01 processos a cada 100 voos, o Brasil gera 8 processos a cada 100 voos (800 vezes maior!). Ainda que esse item não esteja entre os mais relevantes nos custos operacionais diretos das empresas aéreas que atuam no Brasil, tal litigância certamente produz efeitos importantes sobre decisões de expansão de negócios e, principalmente, sobre decisões de entrada de novas empresas.

O efeito é particularmente severo sobre entrantes com modelos de negócios de baixo custo, que tipicamente oferecem serviços básicos (percebidos como de menor qualidade pelo consumidor), com agregação de serviços conforme as preferências dos passageiros. Nesse sentido, a judicialização estimada por empresas aéreas low-cost deve ser tal que simplesmente inviabiliza o modelo de negócios, baseado em passagens mais baratas. A decisão da empresa é não entrar…

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