Combustíveis de aviação sustentáveis permitirão que a indústria alcance 50% a 75% de redução de emissões. Com o apoio do governo, as emissões líquidas de CO2 do transporte aéreo global podem ser alcançadas até 2060-2065, mas algumas regiões provavelmente alcançarão esta meta mais cedo. Várias companhias aéreas e agentes do setor já estabeleceram metas líquidas zero.
-Você acredita que apesar da turbulência que o setor está enfrentando, as metas de curto, médio e longo prazo estabelecidas em 2009 como indústria permanecem intactas e alinhadas com o Acordo de Paris sobre mudança climática? Como esses objetivos estão sendo alcançados?
Os objetivos do acordo de Paris foram uma conquista em 2015, trazendo um compromisso de aumento máximo em 2ºC da temperatura média. Para tanto, será necessária uma redução de 50% das emissões em 2050, referente ao ano base de 2005, e uma economia completamente descarbonizada em 2100.
As metas da indústria para a aviação internacional, hoje ratificadas pela ICAO estão em linha com o Acordo de Paris: crescimento neutro a partir de 2020 (implementado pelo CORSIA, válido até 2035) e redução de 50% das emissões aos níveis de 2005, sem ainda um instrumento claro de como chegaremos lá. Outro desafio se mostra para a aviação doméstica, regida pelas contribuições nacionais determinadas (NDC) de cada país, onde poucos têm metas definidas, e os que as possuem, com roadmaps de implementação ainda difusos.
A cesta de medidas proposta pela ICAO é o caminho, hoje, para estas reduções necessárias, mas ainda com um grande desafio de escalabilidade e custos para os combustíveis sustentáveis de aviação (SAF), apontando a necessidade de robustas políticas públicas para suportar esta troca de base tecnológica na produção de combustíveis de aviação. Novas tecnologias, com foco em fontes de energia alternativas (eletrificação, hidrogênio), ainda estão em níveis de maturidade tecnológica muito baixos, para serem viáveis de implementação na nossa indústria. Ainda é necessário muito investimento em P&D para chegarmos à implementação na aviação regular.
Minha visão particular é que, se as metas de redução do aquecimento global forem ratificadas no nível máximo de 1,5ºC, discussões estão por vir na COP26 em Glasgow. A nossa indústria, portanto, não estará mais em linha e precisará de um esforço muito maior que o grande desafio já postado pelas metas do Acordo de Paris, de forma a estar em concordância com as novas metas.
A GOL se comprometeu, recentemente, com o balanço zero de carbono até 2050. Sabemos que temos o importante desafio de construção de um marco regulatório no Brasil, que permita a produção de SAF, porém sem distorções de mercado. Também temos clareza que muitas das tecnologias que irão contribuir para a redução de nossas emissões ainda estão por vir e que, gradativamente, serão incorporadas à nossa operação. A constante renovação de frota, a implementação da cesta de medidas e a utilização de créditos de carbono vão nos possibilitar a atingir a meta.
-A GOL anunciou recentemente seu compromisso de se tornar neutra em carbono até 2050. Qual é a estratégia que você seguirá para atingir este objetivo?
A GOL acompanha intensamente esta temática da descarbonização do setor aéreo, pois entende que trará um grande impacto às suas operações, bem como para toda a indústria, além de transformar algumas de suas cadeias de suprimentos.
A Companhia está alinhada com as ações previstas nos quatro pilares abaixo listados, assim definidos pela cesta de medidas da ICAO e ratificados pela IATA, que fazem a construção do caminho para buscar o atingimento das metas já citadas:
- Desenvolvimento de novas tecnologias (aeronaves, motores), incluindo combustíveis sustentáveis de aviação (bioquerosene);
- Melhorias operacionais contínuas;
- Melhor uso da infraestrutura – logística;
- Medidas baseadas em mercado.
A atuação da GOL é consistente na temática de redução de emissões há mais de dez anos, fazendo campanhas, conscientização pública, desenvolvendo e buscando incorporar no dia a dia da empresa a discussão de soluções viáveis técnica e economicamente. Abaixo, nossas iniciativas alinhadas com os quatro pilares:
Desenvolvimento de novas tecnologias (aeronaves, motores), incluindo combustíveis de aviação sustentáveis:
- GOL optou pela linha Boeing 737 NG para início da operação em 2001, à época estado da arte em termos de eficiência; desenvolveu o modelo B737 SFP em 2006, em conjunto com a Boeing, para atender eficientemente às demandas locais; incorporação dos motores GE Leap 2B mais eficientes; e opção de modernização de frota pela linha 737 MAX, já em andamento.
- 2012 – Primeira operação com bioquerosene da GOL (usando óleo de cozinha residual e óleo de milho não elegível); no mesmo ano foi fundadora, junto com outros interessados, da Plataforma Brasileira de Bioquerosene.
- 2013 – Primeiro voo comercial doméstico brasileiro com bioquerosene (CGH-BSB).
- 2014 – Programa Copa Verde, mais de 360 voos com bioquerosene durante a Copa do Mundo de Futebol entre as cidades sede. Fundação, junto com outros interessados, da Plataforma Mineira de Bioquerosene. Primeiro voo comercial internacional brasileiro com bioquerosene (MCO-SDQ-GRU).
- 2015 – Filiação à Ubrabio – União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene, para apoio na construção de política pública no Brasil.
- 2016 – Início das negociações para a fundação, em 2018, junto com outros interessados, da Plataforma da Zona da Mata de Bioquerosene e Renováveis (PBioZM) – https://youtu.be/6icD_XAa-m8
- 2018 – Apoio na fundação e lançamento da RBQav – Rede Brasileira de Bioquerosene e Hidrocarbonetos Renováveis para Aviação (RBQAV). Estabelecemos já memorandos de intenção de compra futura de bioquerosene de aviação com potenciais fornecedores, estes buscando a modelagem econômica e marco regulatório para a produção no Brasil.
Melhorias operacionais contínuas:
- Programa Carbon and Fuel Savings, ou combustível certo; pioneira em desenvolvimento de metodologias de mensuração de eficiência em consumo de combustível, incluindo programas com universidades brasileiras; e constante melhoria das políticas de planejamento e operação, incorporando as práticas no “estado da arte” relativas à eficiência da operação.
Melhor uso da infraestrutura – logística:
- GOL como participante dos fóruns de melhoria e otimização do espaço aéreo, e utilização de espaços e slots nos aeroportos de alta densidade.
Medidas baseadas em mercado:
- GOL participou da formulação do posicionamento brasileiro por meio de nossa representatividade direta e da Abear em discussões com SAC, ANAC e MRE; e enviamos representante técnico na comitiva brasileira junto a ICAO em todas as discussões que levaram à articulação do CORSIA.
-SAF é parte da estratégia da empresa, mas quão avançada está a região em biocombustíveis e quão avançado é este tópico na empresa?
No caso do Brasil, sabendo da capacidade e tradição que o País tem na produção de biocombustíveis. A GOL entende que temos uma condição privilegiada para a produção de biocombustíveis para aviação ou combustíveis sustentáveis de aviação (SAF), o que pode facilitar o atingimento de metas. Temos no Brasil tecnologia, capacidade técnica, mão de obra, volume de produção de biomassa, logística desenhada e funcional com suas limitações, mas falta a definição de uma política pública para a produção de combustíveis sustentáveis de aviação, a exemplo das políticas do etanol e biodiesel que fazem do Brasil um líder respeitado mundialmente, que dê previsibilidade para instalação de um parque de biorrefinarias e uma distribuição do gap custo, na indústria, na forma que se evitem distorções competitivas.
A GOL mantém sua estratégia de apoiar o desenvolvimento do SAF, fomentando a estruturação de um marco regulatório brasileiro para a produção desses combustíveis, gerando um ambiente propício para investimentos, sem incorrer em distorções mercadológicas para nossa indústria.
-Você considera que existe um potencial inexplorado na região e no Brasil em particular para gerar biocombustíveis?
Com relação às fontes dos combustíveis sustentáveis de aviação no Brasil, todas elas são bem-vindas – a escalabilidade da produção e os custos são, hoje, o desafio.
No Brasil, entendemos que a soja e o sebo bovino, os açúcares e o álcool, além de resíduos, serão as principais e primeiras fontes de matéria-prima (biomassa) a despontar nesse cenário, atreladas à já existente cultura do biodiesel e do etanol.
A GOL incentiva a produção de biomassa sustentável no Brasil para a produção de energia e outros coprodutos por meio das plataformas de bioquerosene, em especial a Plataforma de Bioquerosene da Zona da Mata (MG), sempre buscando externalidades de inclusão socioeconômica das comunidades envolvidas.
A saber, a Plataforma da Zona da Mata de Bioquerosene e Renováveis (PBioZM) é um projeto baseado na recuperação de terras degradadas, reservas legais e áreas de proteção permanente por meio do reflorestamento e dos sistemas agroflorestais. O reflorestamento é um grande sumidouro de carbono, o que contribui para a mitigação das mudanças climáticas.
-Atualmente, como não há empresas gerando biocombustíveis na região, eles o tornam um item de alto custo, o que não é atrativo para a indústria. Portanto, se o setor pretende melhorar, precisa esperar que as empresas se estabeleçam. Os governos precisam se envolver com estas questões? Como o governo pode apoiar a aviação sustentável?
Exatamente, esta é a nossa posição. Se o mercado já existisse, com preços competitivos ao combustível de origem fóssil, já teríamos o SAF. O problema reside em como introduzir um combustível de baixa emissão, porém com alto custo, na matriz energética de nossa indústria. Inegavelmente, a construção de políticas públicas será o impulsionador para a produção de SAF sair de zero, em nossa visão não gerando distorções mercadológicas, garantindo previsibilidade e estabilidade de mercado para os produtores, bem como uma proteção ao consumidor final de não pagar qualquer preço pelo combustível.
É grande o desafio da construção desse balanço entre os interesses de descarbonização para atingimento das metas, os interesses dos investidores nas plantas de SAF e os interesses de nossa indústria de não ficar refém do mercado. A solução precisa contemplar que diferentes interessados (stakeholders) paguem proporcionalmente seu preço.
-Conhecemos os benefícios ambientais do SAF, mas existem outros benefícios para as empresas?
A GOL vê um grande potencial de desenvolvimento socioeconômico local na evolução da cadeia produtiva do SAF. Nossa visão é que devemos prioritariamente apoiar projetos que, além da produção de SAF, gerem resultados de geração e distribuição de renda, inclusão socioeconômica dos produtores e que, preferencialmente, alavanquem a economia circular com novos co-protutos vinculados à produção do SAF – proteína, fibra, produtos alimentares, entre outros, a exemplo do proposto na PbioZM. Se conseguirmos produzir SAF (que é nossa necessidade) e melhorar a qualidade de vida das comunidades envolvidas, são valores extremamente importantes no pilar social de nossa estratégia ESG, trazendo valor à nossa empresa.
-Em que outras áreas a empresa está trabalhando para fortalecer seu relacionamento com o meio ambiente?
A GOL, desde 2010, reporta suas emissões no Programa GHG Brasil, dando transparência ao seu perfil de emissões no registro público de emissões brasileiro. A Companhia também reporta suas emissões no CDP – Carbon Disclosure Project com uma visão de integração de cadeia produtiva, dando transparência do impacto de suas operações na prestação de serviço aos seus Clientes, da mesma forma que iniciou a integração com seus fornecedores.
Uma outra frente que a GOL também considera importante é a neutralização voluntária de emissões de seus Clientes. A ideia é oferecer, a cada um deles, a possibilidade de se optar voluntariamente pela neutralização das emissões de gases de efeito estufa associadas ao seu voo, personalizando a sua experiência de voar.
Desenvolvemos uma inteligência interna para o cálculo das emissões, baseada no comportamento das emissões históricas de nossa empresa no último ano, segmentadas pelos serviços domésticos e internacionais, e associadas aos trechos voados por nosso Cliente, podendo estimar com alta precisão as emissões associadas de cada voo.
Calculadas essas emissões, a ideia é oferecer a neutralização por meio de projetos ligados à conservação florestal e, principalmente, reflorestamento, sempre em território brasileiro, com possibilidade de produção de combustíveis sustentáveis de aviação (SAF) e inclusão socioeconômica das comunidades locais. O passageiro optará pelo projeto que desejar e efetuará a compra da neutralização.
A GOL busca proporcionar, assim, uma maior materialidade, demonstrando de maneira georreferenciada a origem dos créditos emitidos para a neutralização e a possibilidade de acompanhamento da área protegida ou reflorestada pelos Clientes, entre outros atributos que entendemos como diferenciais para um projeto assim.
-A tecnologia tem um papel predominante?
Os ganhos de tecnologia sempre terão sua pequena, mas constante, contribuição nas reduções a cada ciclo tecnológico de aeronaves e motores. Todas as soluções são importantes e devem ser perseguidas para atingirmos os níveis desejados de redução.
-O lixo pode ser um novo combustível limpo para os aviões?
Sim, resíduos, mesmo que de diferentes origens, podem abastecer nossas aeronaves. Recentemente, um estudo realizado pelas nossas parceiras RSB e Boeing no Brasil, por meio da Boeing Global Engagement, aponta um enorme potencial de produção (até 9 bilhões de litros) de combustível sustentável de aviação (SAF), tendo mapeado cinco tipos de resíduos e o potencial de aplicação em diferentes regiões brasileiras: bagaço e palha de cana de açúcar, resíduos da indústria de madeira, óleo de cozinha usado, sebo bovino e gases de aciaria (combustível siderúrgico).
Falando especificamente de resíduos municipais sólidos (lixo urbano), já existem rotas tecnológicas aprovadas e outras em desenvolvimento para sua produção. Há vantagens: é alto o percentual contabilizado na redução das emissões, por ser resíduo; o custo é baixo como matéria-prima, algumas vezes negativo; mas existem desafios de custos de investimento inicial (CAPEX) ainda altos, e é necessária a maturação de alguns desenvolvimentos tecnológicos para a automação da triagem.
Acredito que o SAF proveniente de resíduos, incluindo o resíduo urbano, terá uma importante participação na matriz de SAF mundial, compondo com as demais rotas disponíveis. Temos de lembrar que todas as soluções de SAF são bem-vindas e necessárias, cada uma delas devidamente maximizada para sua região e capacidades, pois o desafio de escalabilidade para nossa indústria é gigante.